“Precisamos parar de degradar o próprio planeta com objetos e estruturas mal concebidos.” Essa afirmação, atribuída a Victor Papanek desde os anos 1970, continua mais atual do que nunca. Em um cenário marcado pela urgência ambiental, o design deixa de ser apenas uma ferramenta para atender às necessidades humanas e se transforma num agente fundamental na busca por soluções que minimizem os impactos negativos sobre o planeta.
Da Sustentabilidade ao Design Consciente
Durante décadas, o termo “sustentabilidade” foi amplamente utilizado, muitas vezes de forma superficial, para remediar os efeitos dos processos industriais e de consumo. No entanto, o conceito original, que abrange uma visão sistêmica e o ciclo de vida dos produtos, exige uma reflexão mais profunda. Hoje, propomos a ideia de design consciente: uma abordagem que integra critérios ambientais e responsabilidade social em cada decisão do processo criativo, estimulando ações que vão além do greenwashing e promovem mudanças efetivas.
A Importância dos Materiais na Criação Consciente
A escolha e o uso dos materiais são determinantes para o impacto ambiental dos produtos. Pesquisas indicam que a extração e o processamento de recursos naturais respondem por mais de 90% da perda de biodiversidade e do estresse hídrico. A seguir, são apresentados quatro caminhos que demonstram como o design pode ser um agente de transformação por meio da gestão consciente dos materiais:
1. Uso Racional de Matérias-Primas Habituais
Uma das estratégias para um design mais consciente é a otimização do uso dos materiais já estabelecidos. Reduzir desperdícios na fabricação, adotar insumos certificados e pensar em embalagens eficientes podem gerar um significativo impacto positivo.
Exemplos Inspiradores:
- Linha Alfaiate (Studio De La Cruz): Composta por mesas de diferentes tamanhos, a linha utiliza chapas de aço inox entregues desmontadas em embalagem flat. Essa abordagem reduz custos logísticos e diminui a pegada de carbono, enquanto o sistema de encaixe elimina a necessidade de solda ou parafusos.
- Cama Kerecha (naE - Núcleo de Arquitetura Experimental): Desenvolvida para atender famílias afetadas por enchentes, esta peça é projetada para maximizar o uso de uma única chapa de compensado naval, permitindo a fabricação de diferentes configurações com montagem intuitiva.
2. Resgate de Materiais e Técnicas Tradicionais
Valorizar métodos artesanais e técnicas construtivas locais não só reduz o impacto ambiental, mas também fortalece comunidades e resgata saberes ancestrais.
Exemplos Inspiradores:
- Poltrona Bo (Giacomo Tomazzi): Em sua edição limitada, a peça combina aço inox, fibra natural de carnaúba e couro vegano Pinatex®, destacando um ciclo de produção pensado para minimizar impactos e valorizar processos artesanais.
- Estante Faquir (Estúdio Campana): Ao recuperar o bambu – um material renovável e de baixa emissão – o design da estante demonstra como soluções simples podem se tornar altamente sofisticadas sem sacrificar a sustentabilidade.
3. Circularidade: Reuso e Reciclagem de Materiais
A economia circular tem ganhado espaço como estratégia para reduzir o descarte prematuro de recursos. A reutilização de materiais, combinada à inovação no design, transforma resíduos em novas possibilidades criativas.
Exemplos Inspiradores:
- Banco Una (Hugo França): Criado a partir de árvores caídas, o trabalho de Hugo França destaca a beleza natural da madeira recuperada, reforçando a importância do reuso.
- Bancos Guaíba (Giorgio Bonaguro) e Mesa Caco (Lucas Recchia): Estes projetos demonstram como sobras de mármore, raízes de árvores e cacos de vidro podem ser integrados para formar peças únicas e sustentáveis.
4. Experimentação e Desenvolvimento de Materiais Ecofriendly
A busca por inovação não se limita à otimização dos materiais tradicionais. A pesquisa e o desenvolvimento de biomateriais – como o micélio, derivados de algas ou resíduos orgânicos – abrem caminho para alternativas biodegradáveis com desempenho comparável ou superior aos convencionais.
Exemplos Inspiradores:
- Barquinho Sail (Estúdio Furf): Uma urna cinerária produzida a partir de biomaterial da start-up Mush Eco, que se dissolve naturalmente na água, simboliza uma “última jornada” com impacto mínimo.
- Luminárias Ricino (Estúdio Rain): Com base em uma resina vegetal de óleo de mamona, a série evoluiu para incorporar elementos naturais diversos, criando texturas e densidades inovadoras que dialogam com o meio ambiente.
O Papel Transformador do Design
Segundo estudos e argumentos de pensadores como John Tackara, cerca de oitenta por cento do impacto ambiental dos produtos é determinado na fase de design. Isso significa que a responsabilidade de repensar e inovar as práticas de criação é, em grande parte, dos designers. A partir de escolhas conscientes e da integração de práticas sustentáveis, o design tem o poder de influenciar diretamente a preservação dos recursos naturais e a qualidade de vida das futuras gerações.
Desafios e Perspectivas para um Futuro Sustentável
Embora os desafios sejam grandes – entre greenwashing, resistências econômicas e barreiras culturais – as iniciativas pioneiras e a criatividade dos designers apontam caminhos promissores. O design consciente não se resume apenas à estética ou à funcionalidade, mas envolve uma visão holística que une inovação, ética e respeito pelo meio ambiente.
A transformação exige colaboração entre designers, empresas, pesquisadores e consumidores, cada um contribuindo para um ciclo virtuoso onde a responsabilidade social e ambiental se tornam tão essenciais quanto a busca pela beleza e funcionalidade.
Conclusão
O design consciente se revela como uma ferramenta indispensável na construção de um futuro mais sustentável. Ao repensar o uso de materiais, resgatar técnicas tradicionais, adotar a circularidade e investir em inovações ecofriendly, os designers podem liderar uma mudança que beneficia não só o planeta, mas toda a sociedade. Que as escolhas conscientes de hoje inspirem o design do amanhã e, com ele, uma nova era de responsabilidade e inovação.